Liberdade de expressão não é escudo para a violência

Edgard Abbehusen l Colunista

Duas frases atribuídas a ele que foram resgatadas nas redes sociais chamam a atenção pela gravidade: “Às vezes, a mulher só entende no tapa. E se não entender, é porque apanhou pouco.” e “Se for abusar de uma criança, abusa do seu filho. Ele vai fazer o quê? Chamar o pai?” Essas declarações não são sátiras políticas nem comentários provocativos. Elas configuram incitação à violência e, mais que isso, banalização de crimes gravíssimos.

Imagine alguém chegando à sua cidade, ligando uma câmera e iniciando uma transmissão ao vivo dizendo que sua mãe é traficante de crianças, que você alicia menores ou que sua família vive de enganar os outros. Essa pessoa tem, sim, o direito de se expressar. Mas também precisa compreender que esse direito encontra limites. Porque toda liberdade, quando vivida em sociedade, exige responsabilidade.

No caso do humorista Léo Lins, o que está em jogo não é a proibição do humor, mas a responsabilização diante de falas que ultrapassam a fronteira da crítica e se tornam discurso de ódio. Duas frases atribuídas a ele que foram resgatadas nas redes sociais chamam a atenção pela gravidade: “Às vezes, a mulher só entende no tapa. E se não entender, é porque apanhou pouco.” e “Se for abusar de uma criança, abusa do seu filho. Ele vai fazer o quê? Chamar o pai?” Essas declarações não são sátiras políticas nem comentários provocativos. Elas configuram incitação à violência e, mais que isso, banalização de crimes gravíssimos.

A Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade de expressão como um direito fundamental (art. 5º, inciso IX), garantindo a inviolabilidade da honra, da imagem e da dignidade da pessoa humana. O Código Penal, por sua vez, prevê punição para quem incita publicamente a prática de crime (art. 286) e para quem ofende a dignidade de pessoas com deficiência, conforme estabelecido pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). No caso em questão, a Justiça entendeu que as falas ultrapassaram o campo da liberdade e atingiram diretamente esses direitos.

A condenação de Léo Lins, portanto, não se trata de censura, mas de aplicação da legislação vigente. A Justiça puniu um discurso que, sob o disfarce do humor, reforça práticas criminosas e fere grupos que já sofrem cotidianamente com discriminação e violência. Dizer que o processo ameaça a liberdade de expressão é ignorar que o próprio exercício dessa liberdade está sujeito à responsabilidade civil e penal, como qualquer outro direito.

Em tempos de redes sociais e visibilidade instantânea, é ainda mais necessário lembrar que aquilo que se diz, principalmente em espaços públicos como as redes sociais, por exemplo, tem consequência. A liberdade de expressão segue protegida. A crítica continua garantida. Mas isso não dá a ninguém o direito de ferir a integridade de outras pessoas em nome da suposta liberdade artística.

Com a decisão, que não prendeu o humorista, pois ainda cabe recurso, a Justiça está apenas reafirmando que a dignidade humana é um valor maior. O humor tem força para transformar realidades e promover reflexão. No que vai além disso, a lei precisa intervir. Não para calar a piada, mas para proteger quem vive, diariamente, as dores que ela tenta transformar em espetáculo.

Nota da redação:
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem, necessariamente, a posição editorial deste site. Nosso compromisso é com a pluralidade de ideias e o debate público respeitoso.

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.